Carta à família dos Antigos Orfeonistas

Escolhi esta forma, escrita e lida, de me dirigir a vós com receio de que, de outra forma o não conseguisse fazer pelo excesso de emoções.  E estas palavras não poderiam deixar de ser ditas.

Tinha 27 anos quando me juntei a vós. Eu e o João Farinha, timidamente apresentámo-nos a testes de admissão. Receberam-nos como tão bem sabem: “Dizia o Lúzio Vaz: – chegaram os fadistas. Palmas Porra!!”

Descobri os valores que apregoam: A solidariedade, a fraternidade, a amizade. Descobri uma organização que está sempre em serviço e ou serviço, de uma forma incrivelmente altruísta, para apoiar os que mais precisam. Descobri uma organização que se pauta pela criação de uma sociedade melhor, mais fraterna, mais amiga, que “olha para o ser humano de cima para baixo unicamente para lhe esticar a mão, quando ele se precisa de levantar”.

Descobri a forma como amam Coimbra e disseminam a sua mensagem: a da liberdade, a da intelectualidade e do saber, a dos amores. E, como o público internacional se rende a uma combinação mágica que faz história, doutrina e música pelo mundo! É esta a marca de Coimbra!

Tomei-vos como a “minha” família e adotaram-me como filho ou irmão, onde comemos e bebemos o vinho que produzimos ou o pão que arranjamos, e onde recordamos as nossas eternas memórias, dos que estão e dos que foram, dos sucessos e dos insucessos, dos afinados e dos desafinados e dos que comem mais ou dos que comem menos. Todos contam e contaram para aquilo que somos e para o que representamos hoje.

A Margarida mostrou-nos que o caminho da imprevisibilidade e da volatilidade da vida colide com a nossa necessidade mental de controlarmos tudo. Não controlamos! Mas podemos melhorar o que não controlamos. A DOCE foi a necessidade de melhorar a vida das famílias afetadas pela Tay Sachs, Sandhoff e GM1. Não sabia no dia em que a fundámos que, em apenas 1 anos mudaríamos o paradigma em tantos aspetos distintos:

– trouxemos ensaios clínicos para Portugal;

– apoiamos as famílias a irem ao encontro dos cientistas internacionais;

– despoletámos os primeiros cursos de cuidados paliativos pediátricos para cuidadores;

-trabalhamos com cientistas internacionais para a deteção dos primeiros sinais da doença e melhorar os diagnósticos precoces;

– trabalhamos para potenciar sorrisos.

Deixámos de ser 16 famílias afetadas (conhecidas). Somos agora 17 – mais uma família da região de Coimbra com duas gémeas, uma das quais já tem a confirmação da doença e a outra aguarda as respectivas análises.

Uma família que será “posta à prova” com a notícia que nunca ninguém deveria receber. Lamentamos muito que tenham recebido este diagnostico, mas estaremos aqui sempre para eles e para todos os que de nós precisarem.

Nestes momentos da DOCE luta deixei de estar presente junto da minha família orfeonista. Mas esta família é assim mesmo: respeita a ausência, compreende a indisponibilidade, mas abraça na saudade.

Em 13 anos deixei de conseguir contar os atos de solidariedade orfeónica em que estive.   Fizemos espetáculos por quase todos aqueles que precisavam: desde os que sofrem de cancro aos que têm paralisia cerebral, desde as famílias de Pedrogão aos prematuros de Portugal (na gala XXS).

E foi justamente na gala XXS, por ocasião do Dia Mundial da Prematuridade, que fui surpreendido pela minha família orfeonista por um ato que só se pode classificar como “Amor Fraterno!”

Fui alvo da própria solidariedade que tanto caracteriza esta família.

Não existem grande palavras que eu ou a Inês possamos dizer sobre o momento que nos proporcionaram (e que está registado, bem registado), que emocionou tantos.

Aquilo que vos dizemos é que “Obrigado”, nunca chegará…

Terei sempre que vos pedir desculpa por não estar da forma que gostaria.

Mas pensem… esta luta já não é só pela Margarida: é pelas duas novas gémeas de Coimbra: A Matilde e a Laura, é pelo Carlitos, pela Margarida (mais nova), é pela Fabiana, a Carolina, a íris, o Rafael, o Francisco, o David, a Leonor e o Pedro.

Porque tanto para eles como para nós, desistir não será opção.

Muito obrigado!

O vosso, Zé Vilhena