Aos heróis sem rosto

Nos dias em que atingimos quase todos os recordes nacionais nas contaminações de Covid19, perguntei-me porque facilitamos tanto!? Porque temos tantas certezas anti ciência!? Porquê tanta falta de responsabilidade coletiva!?

Recordo que em Junho estava a lutar pela vida por ainda não ter tido a sorte de ser chamado para a vacinação.

A imagem do meu pior dia: o dia em que a Margarida fazia nove anos; o dia em que a Inês já sabia que muito provavelmente iria ser entubado na manhã seguinte; o dia em que nos deixaram fazer uma chamada vídeo porque não saberiam o que aconteceria a seguir; o dia em que só respondia “sim ou não” com o piscar de olhos; o dia em que a Inês me perguntava se a amava e eu respondia “sim” com o olho esquerdo.


Ao contrário de muitos outros que também partilharam as camas da UCI, regressei a casa completamente salvo e com a certeza de que tinha tido a sorte da minha vida. Nesse mesmo dia enviei uma mensagem a todos os que me salvaram:

“Queridos “intensivos”

Cheguei finalmente a casa depois de uma grande jornada de Covid. Por entre abraços e lágrimas de saudade lembrei-me sempre dos tempos que passei convosco na UCI, em junho.
No dia em que saí da UCI/covid mandei uma mensagem aos meus amigos:
“O covid é uma doença solitária que nos impede de termos ao nosso lado o toque de amor e carinho dos que nos amam, que nos limpam o suor da febre, que nos ajudam a caminhar para uma casa de banho, ou nos aconchegam e apaziguam as emoções desesperantes que nos corroem. Nessa solidão, caminhamos com equipas de profissionais incríveis com um sentido de humanidade superior, que me tocavam carinhosamente no peito no meu “pior dia” quando no limite do ar que me entrava nos pulmões lhes dizia: – a minha Margarida faz hoje 9 anos. Esse cuidado extra profissional “é nosso”! É português e tem que mencionado como o melhor que temos no nosso SNS.”
Gostaria de vos poder dar um abraço de agradecimento por me terem permitido voltar para casa. Prometo-vos que essa oportunidade me fará ser uma pessoa melhor e mais focada nos valores da solidariedade, amizade e compaixão.
Sabemos que a vossa luta está a recomeçar e espero que os que virão a estar “nas vossas mãos” poderão também lembrar-se de vós com o mesmo carinho e agradecimento com que vos recordo.
Estarei sempre disponível para o que entenderem e, se me reconhecerem na rua, por favor, digam-me quem são porque eu conheço todos os vosso nomes… mas não conheço as caras….
Com o abraço de uma família feliz “