Nem sei como começar este texto pois eu não tenho razão em nada do que vou dizer…
O pior que tudo é que sei que não tenho razão mas também sei que sinto uma profunda injustiça por não a ter… Lei é Lei!
A Margarida fez a primeira junta médica em 2018 e foi-lhe dada uma incapacidade total de 86,40%, sendo que a incapacidade respeitante à mobilidade era de 60%. Na altura a Margarida ainda andava pelos corredores do centro de saúde mas já com desequilíbrios profundos. O médico perguntava-lhe o nome e ela sorria. Só sabia dizer “Não”. Foi a última palavra a desaparecer. O “não” queria dizer “sim”, “não”, “talvez”, “gosto de ti”, “sou a Margarida” ou “tenho fome”… até que o “não” desapareceu…
O desenvolvimento da Margarida foi decrescendo na medida da expectativa da doença de Tay Sachs… deixou de andar e precisou de cadeira de rodas.
Com esta necessidade surgiu a necessidade de um carro adaptado. Para além do conforto da Margarida, os joelhos da Inês e as minhas tendinites nos ombros também agradeciam. O nosso Estado protege o cidadão com deficiência dando-lhe benefícios específicos, nomeadamente a isenção de imposto inerentes à compra do carro adaptado.
Pensávamos que a Margarida era elegível para a compra do carro, pois a lei é objetiva em dizer que as crianças que precisem de cadeira de rodas têm isenção fiscal na compra de carros adaptados.
Ajudados pelo concessionário instruímos o processo de isenção e encomendámos uma furgoneta adaptável.
Conseguimos a última Berlingo adaptável (Peugeot já estava esgotada) para cadeira de rodas uma vez que os modelos a gasóleo foram descontinuados e as novas versões totalmente elétricas (da Peugeot e da Citröen) não são adaptáveis pelo facto de as baterias estarem na zona do chassi que tem que ser cortada para se fazerem os rebaixamentos das rampas de entrada (Uma incrível nova dificuldade para quem precisará no futuro de um carro adaptável).
Contudo, eis que surge o indeferimento do pedido de isenção fiscal… A Margarida não preenchia os requisitos porque à data da junta médica de 2018 a Margarida ainda andava.
Que fazer?
Pedir nova junta médica seria evidente mas… as juntas estão incrivelmente atrasadas porque no ano e meio de Covid não se efetuaram. Apenas renovaram pedidos em curso.
Pedimos uma reunião presencial na alfândega, para pedir a revisão do indeferimento, em que apresentamos novos atestados que afirmaram que, como era expetável, a Margarida não andava e precisava de cadeira de rodas e apoio total dos seus cuidadores. Afirmámos que os atestados das juntas não preveem doenças progressivas e que as condições de vida/mobilidade se alterem. Isto é, a condições provocado por uma doença neurodegenerativa no ano de 2018 não poderia ser o mesmo de 2022 e que seria ilógico pedir uma reavaliação da junta médica sempre que se precise de um apoio do Estado, considerando que o atestado da junta era válido até 2024. Escrevi uma declaração sob compromisso de honra afirmando que tudo o que dizia era a absoluta verdade.
A resposta foi sempre a mesma:
⁃ a lei! a lei!
⁃ a instrução da lei!
⁃ a lei! a lei!
⁃ não podemos, não podemos, só com atestado da junta médica!
Perguntei pelo “espírito da Lei”, pela “discricionariedade da Lei” e disse que a situação real, à data, não poderia ser ignorada.
⁃ Não se aplica! Disseram.
A certa altura não aguentei e violei os meus próprios princípios de “nunca me queixar ou lamentar”: Perguntei o que aconteceria se a isenção fiscal chegasse daqui a tanto tempo que a Margarida já “nem necessitasse dela”? Perguntei se queriam que eu lhes explicasse como eram as dores diárias dos meus ombros ou a dos joelhos da Inês?
Sem nunca perder o controlo na forma correta como me dirigi às pessoas que cederam o seu tempo para nos receber e que se manifestaram solidárias com a nossa dificuldade, mas sempre intransigentes na instrução processual, pedi para me ausentar da sala para “ir respirar”. Saí e um desespero incontrolável tomou-me!!
De facto, não tínhamos razão! A lei não estava do nosso lado e o Estado também não. Se a Margarida se enquadra, de facto, nos critérios de elegibilidade à data de hoje!? Todos os médicos, terapeutas e assistentes sociais dizem que sim e atestam-no de forma documental. Contudo, só uma junta médica o poderá dizer para que a instrução processual respeite a Lei. Quando ela acontecerá? Ninguém sabe…
Lei é Lei!! E eu sei que não tenho razão…